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Comunicando k-pop

Comunicadores explicam os desafios de noticiar a onda
coreana no Brasil e como é ser fã de k-pop no jornalismo

Entrevista do Sarang In Gayo com o BTS em 2014    (Imagem: Arquivo Érica Imenes)

Trabalhar com comunicação já não é algo fácil. Comunicar traz a responsabilidade de informar corretamente aquilo que o público quer e precisa saber. Com o aumento da popularidade da Hallyu, os holofotes da mídia se voltaram aos produtos culturais coreanos, dando oportunidades a profissionais trabalharem com o que amam, o que não deixa de apresentar desafios na cobertura desses assuntos.

A jornalista Érica Imenes é um dos principais nomes da comunicação quando o assunto é Hallyu. Ela fez parte de um dos maiores portais brasileiros sobre k-pop, o Sarang In Gayo, que ficou em atividade de 2008 a 2017. O site era referência no Brasil quando o assunto era falar de música coreana, bem antes dessa explosão mundial.

Na época, as redes sociais estavam sendo introduzidas na dinâmica de produção e divulgação do site. A equipe chegou com um planejamento específico de postagens e interações com o público, não ficando só nas notícias, algo que hoje em dia se tornou comum, mas foi inovador naquele período.

O pioneirismo pode definir a importância do Sarang In Gayo para a divulgação da Hallyu em solo nacional. Um veículo que abriu portas para outros profissionais e estimulou o diálogo sobre a temática. Hoje, podemos encontrar veículos com suas próprias editorias de k-pop, como a revista teen Capricho, ou ao menos noticiando acontecimentos do universo Hallyu, além de veículos exclusivamente voltados à cultura asiática, como a revista KoreaIN.

A cobertura jornalística e suas dificuldades

Falar da Hallyu se tornou inevitável nas editorias culturais, já que seu impacto aumentou em proporções inimagináveis em apenas alguns anos, mas na realidade, a cobertura do k-pop sempre existiu por parte dos fãs, explica Gustavo Balducci, colunista de k-pop da Capricho. Quando a grande mídia não dava atenção ao tema, cabia aos portais de fãs fazer essa noticialização. Ainda hoje, muitas vezes os fandoms fazem uma cobertura muito mais complexa do que os veículos e muitas vezes mais certeiras, porque os fãs estão envolvidos com assunto por muito tempo.

Agora, existem muitos comunicadores que abordam o assunto, mas trabalhar com algo que se gosta, apesar de ser um privilégio, não evita frustrações, como em qualquer profissão. Além disso, apesar da afinidade com o tema facilitar o trabalho jornalístico, o comunicador tem que se atentar em deixar de lado suas preferências pessoais, para reportar as notícias relevantes e de forma assertiva.

Um dos desafios constantes na rotina profissional é o fuso-horário, já que a Coreia está do outro lado do mundo, 12h à frente do Brasil. Gustavo relata: "a rotina da cobertura é difícil nesse sentido, já que todos os eventos, entrevistas acontecem nesse fuso-horário”. O mesmo ocorre no dia a dia de Carol Akioka, diretora da revista KoreaIN, maior portal de notícias sobre Hallyu no Brasil atualmente.

Outro ponto que dificulta o trabalho dos comunicadores é a barreira linguística. Nem sempre os grupos tem alguém que fale inglês, então na maioria das vezes é necessário algum tradutor intermediar as conversas.

Além disso, o acesso a artistas de k-pop também não é simples, apesar de estar melhorando. O mercado coreano visa muito o mercado dos Estados Unidos, o que acaba deixando de lado o Brasil e outros países da América Latina, apesar de serem grandes polos de consumo. E quando se consegue uma entrevista, por exemplo, agências preferem que os artistas não respondam certas perguntas, e o jornalista tem que se atentar em como se porta, pois qualquer tipo de problema pode afetar o segmento dos comunicadores de Hallyu no Brasil como um todo.

Além do superficial

Mas como falar direito sobre a Hallyu? Esse é um questionamento que muitas vezes veículos ignoram e acabam caindo na superficialidade ou se equivocando na divulgação de informações.

Se antes a dificuldade era conseguir fazer grandes portais prestarem atenção no k-pop como potencial pauta em meio a outras notícias, agora, a preocupação é a forma como os veículos tratam o assunto. Diversas vezes foi possível observar nas redes sociais fãs indignados com a forma com a qual seus ídolos foram mencionados em artigos.

Para Gustavo, quando o k-pop começou a aparecer um pouco mais na mídia, a cobertura era feita sem o devido cuidado, diferente de como era feito em outras editorias. Não havia pessoas especializadas na área para escrever sobre o assunto, pois certos conhecimentos são necessários ao se falar sobre Hallyu, por se tratar de outra cultura, com suas próprias particularidades.

Carol Akioka, tem uma visão semelhante. Ela diz que para escrever sobre o tema, é importante pesquisar muito sobre, pois existem temas que são sensíveis culturalmente e devem ser tratados com responsabilidade.

Érica vê a questão da mesma forma, ela explica que quando são propagados assuntos superficiais, quando algo mais sério ocorre, a discussão sobre o assunto continua na superficialidade, pois não foi tratado com o cuidado que deveria e muitas vezes o aprofundamento é necessário. Ela também vê parte disso como resultado do método de trabalho de editorias de forma geral, “hoje em dia, o consumo, não só do k-pop, mas o consumo midiático no geral, está muito mais urgente. Então entre publicação e resposta existe um tempo menor absorção, o que pode ser bom ou que pode ser problemático”.

Os comunicadores observam que, um dos principais problemas ocorre quando os veículos tratam o segmento apenas como uma forma de engajamento, pois a apuração acaba ocorrendo de forma irresponsável.

Carol Akioka com o grupo Kard (Imagem: Arquivo pessoal de Carol Akioka)

E quando é só Hallyu?

Quanto à abordagem nas mídias especializadas, a preocupação na noticialização é ainda maior, já que se espera uma cobertura adequada e responsável.

Sendo o maior veículo de cultura coreana no Brasil, a KoreaIN sente a responsabilidade de passar as informações de forma bem apurada. Carol relata que sempre quando são postadas notícias, os leitores logo tomam como verdade, e por isso uma boa apuração é fundamental. “As pessoas usam muito a gente de fonte, então temos a responsabilidade de estar alinhados com a informação e checar as fontes mais de uma vez”, explica.

A jornalista ainda relata que pede aos colaboradores para tentar se desvincular um pouco do lado fã na hora de escrever, principalmente quando os assuntos são mais sensíveis. “O interesse da KoreaIN é informar e não adotar um lado. Então é isso que a gente preza, passar a informação para o público formar sua própria opinião”, diz.

Apesar da Capricho não ser um veículo com foco exclusivo no assunto, quando Gustavo escreve para a editoria de k-pop, ele leva em consideração os mesmos aspectos citados pela comunicadora. Ele visa uma boa seleção de conteúdos, já que no mundo da Hallyu muitas coisas acontecem ao mesmo tempo, assim ele consegue fundamentar melhor suas matérias.

O que os três jornalistas destacam em uma cobertura especializada é a necessidade de aprofundamento nos conteúdos, indo além do superficial. Além disso, destacam a conscientização sobre a cultura coreana e suas particularidades, pois isso evita uma abordagem com visão muito ocidentalizada sobre temáticas específicas. “Ainda falta um pouco disso em alguns veículos”, aponta Érica.

De fã para fã

Acessar o mercado do k-pop não é simples, apesar de estar começando a ter mais abertura. Quando há oportunidade de entrevistar algum artista, os comunicadores buscam diretamente nos fandoms as questões que eles gostariam de ver abordadas. Como fãs, eles compreendem a importância que os veículos têm na conexão entre fãs e ídolos. Sendo um momento de aproveitar esse espaço para realizar o sonho de outros fãs também, como explica Gustavo.

Por também fazerem parte dessa comunidade, os jornalistas estão mais próximos dos consumidores de conteúdo da Hallyu e também têm que ponderar como se portar no espaço digital. Érica, por exemplo, relata que teve que aprender a controlar melhor suas postagens, deixando seus momentos de fangirling mais voltados ao seu espaço privado, para evitar possíveis críticas. Gustavo ressalta que, críticas acabam ocorrendo por estar sendo falado sobre um assunto que os fãs se interessam e que isso é algo comum, mas alguns passam dos limites.

Mas, mesmo as dificuldades, os momentos de alegria também se destacam, já que também surgem oportunidades de conhecer seus artistas preferidos.

Para a Érica, um de seus momentos mais memoráveis foi entrevistar o BTS, em 2014, quando o grupo veio realizar o fanmeeting “O!RWeL8” em solo nacional. A entrevista aparece em mais detalhes em seu livro “Kpop: Manual de sobrevivência”, escrito em parceria com Babi Dewet e Natália Pak.

Ela também destacou sua experiência trabalhando na produção do show do Mamamoo, o girlgroup é um dos favoritos delas e as quatro meninas foram super simpáticas.

Entrevista de Érica Imenes com o grupo Mamamoo em 2018 (Imagem: Arquivo pessoal de Érica Imenes)

Gustavo também teve a oportunidade conversar com o grupo em sua vinda ao Brasil e para ele, foi uma das entrevistas mais incríveis que realizou. Ele relata que as artistas também estavam gravando vlog para o canal do grupo, então foi uma ótima experiência poder fazer parte de um momento significativo para elas, que foi vir ao Brasil.

Outras entrevistas marcantes também foram com Jessica, do grupo Girls Generation, para falar sobre seu livro e Eric Nam, que abordou diversos assuntos e explicou como não teve espaço nos para iniciar sua carreira nos Estados Unidos, onde nasceu, e por isso foi para a Coreia.



Mesmo com seus desafios particulares, noticiar a Hallyu no Brasil começou ser mais comum, ajudando a quebrar estigmas sobre o tema e dando espaço profissional aos admiradores dessa cultura. Como Érica explica, ser fã não anula o profissionalismo, e sim é simplesmente “um fã que, porventura, se profissionalizou”.

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